Ponte Romana e Igreja de Santo António
Em pleno coração do Vale do Lima, a beleza castiça e peculiar da vila mais antiga de Portugal esconde raízes profundas e lendas ancestrais. Foi a Rainha D. Teresa quem, na longínqua data de 4 de Março de 1125, outorgou carta de foral à vila, referindo-se à mesma como Terra de Ponte. Anos mais tarde, já no século XIV, D. Pedro I, atendendo à posição geo-estratégica de Ponte de Lima, mandou muralhá-la, pelo que o resultado final foi o de um burgo medieval cercado de muralhas e nove torres, das quais ainda restam duas, vários vestígios das restantes e de toda a estrutura defensiva de então, fazendo-se o acesso à vila através de seis portas.

A ponte, que deu nome a esta nobre terra, adquiriu sempre uma importância de grande significado em todo o Alto Minho, atendendo a ser a única passagem segura do Rio Lima, em toda a sua extensão, até aos finais da Idade Média. A primitiva foi construída pelos romanos, da qual ainda resta um troço significativo na margem direita do Lima, sendo a medieval um marco notável da arquitectura, havendo muito poucos exemplos que se lhe comparem na altivez, beleza e equilíbrio do seu todo. Referência obrigatória em roteiros, guias e mapas, muitos deles antigos, que descrevem a passagem por ela de milhares de peregrinos que demandavam a Santiago de Compostela e que ainda nos dias de hoje a transpõem com a mesma finalidade.

A partir do século XVIII a expansão urbana surge e com ela o início da destruição da muralha que abraçava a vila. Começa a prosperar, por todo o concelho de Ponte de Lima, a opulência das casas senhoriais que a nobreza da época se encarregou de disseminar. Ao longo dos tempos, Ponte de Lima foi, assim, somando à sua beleza natural magníficas fachadas góticas, maneiristas, barrocas, neoclássicas e oitocentistas, aumentando significativamente o valor histórico, cultural e arquitectónico deste rincão único em todo o Portugal.
 

História do Concelho de Ponte de Lima 
 
Perspectiva da Vila de Ponte de Lima


Implantada na região do vale do Lima e debruçada sobre o rio que lhe conferiu o nome, a vila de Ponte de Lima possui um conjunto de características paisagísticas únicas que desde sempre conferiram a esta vila do Alto Minho uma originalidade e uma especificidade muito próprias.

O seu passado histórico, marcado por uma forte referência medieval que ainda hoje se vê traduzida no traçado urbano da vila, teve como suporte uma estrutura económica baseada no carácter comercial e mercantil que se viu reforçada, quando em 1125 D. Teresa lhe conferiu foral institucionalizando a Feira que, tal como hoje, se estende pela frente urbana da vila bordejando o Lima.

Foi praça forte de D. Pedro e D. Fernando e desempenhou um papel importante no tempo de D. João I. O rio, ponto de referência e eixo ordenado da vila, foi até ao dealbar do século XX uma via de comunicação muito activa, estabelecendo a ligação da vila com os centros urbanos do litoral e do interior do vale. Atravessado por uma ponte medieval, construída a partir de uma romana, que estabelecia os contactos entre as duas margens e permitia a ligação da vila, por terra, a outras paragens, tendo muitas vezes servido como passagem obrigatória dos peregrinos que se dirigiam a Santiago de Compostela.

Não foge à evolução que por força destas circunstâncias se verificaram ao tempo de D. João V, como sucedeu com outros centros de maior dimensão. Será graças a esse movimento de efervescência económica que o concelho se vê brindado por notáveis construções arquitectónicas religiosas e cívis.


 

Origens do Concelho de Ponte de Lima


 
A região de Ponte de Lima foi habitada desde os primeiros tempos da pré-história. Embora não tenha sido explorada qualquer estação arqueológica correspondente à Idade da Pedra, já se contam no concelho muitos achados avulsos que documentam a presença e a actividade do homem pré-histórico. Os primeiros utensílios do paleolítico foram descobertos no concelho pelo P.e Saraiva de Miranda, na freguesia do Bárrio, seguindo-se-lhe outros nas de Cepões, Labruja, Vilar do Monte, Arcozelo e Refojos. Posteriormente Manuel Gomes Dias fez novos achados nas freguesias de Refojos, Serdedelo, Ribeira, Feitosa, Facha, Correlhã e Moreira do Lima. Trata-se em geral de bifaces acheulenses, certamente levados, por razões desconhecidas (talvez crença religiosa ou superstição), para lugares diferentes dos de origem.

Quando no mesolítico a melhoria do clima possibilitou a vida ao ar livre na maior parte do ano, o estuário do Lima devia alongar-se muito mais para o interior e o rio seria mais profundo: algum dia as investigações arqueológicas descobrirão amontoados de resíduos a documentar a presença de colónias humanas nesta zona, já que alguns picos ancorenses isolados aí se têm encontrado.

Do período neolítico, em que nasceu a agricultura, a domesticação dos animais e o postoreiro, achou-se, num caminho junto à escola da igreja (sítio do Campo da Vinha), em Fornelos, um machado de pedra polida recolhido no Museu Pio XII, em Braga, e objectos idênticos descobriu Manuel Gomes Dias no monte de Santa Maria Madalena, entre as ruínas de um aldeamento que se poderá atribuir a esta época.

Consequência da veneração pelos mortos que se difunde na parte final do neolítico e no começo da idade dos metais, a cultura megalítica é documentada com um dólmen localizado por Abel Viana, na freguesia da Labruja. As grandes lajes e esteios desde monumentos foram retirados posteriormente, com muita frequência, do seu primitivo local, apenas substituindo os montes de terra: as mámoas, também chamadas antas, arcas e orcas, designações de que se conhecem reflexos na toponímia. O P.e Cunha de Brito descobriu várias mámoas, nas freguesias de Vilar do Monte, Freixo, Ribeira e Arca. Abel Viana identificou uma em Anais. Manuel Gomes Dias achou várias em Labrujó, Moreira de Lima, Faldejães, Serdedelo e Boalhosa.

A presença humana no concelho continua a ser documentada durante a idade dos metais.


Da idade do bronze e, mais concretamente, da cultura argárica, Abel Viana inventariou quatro cistas, localizadas nas freguesias de Refojos, Fornelos, Vitorino de Piães e Anais, e em Vilar do Monte encontrou-se um objecto de bronze, provavelmente a ponta de um machado.


Algumas insculturas em penedos ao ar livre podem ser já desta época, como a do cavalinho em Santo Ovídio.

A falta de elementos arqueológicos já fizeram pensar que, nos extremos do noroeste peninsular, os indígenas teriam recebido do centro da Europa a civilização do ferro, sem que houvesse contactos preliminares com as mais evoluídas civilizações mediterrânicas. Mas as escavações realizadas em Agosto e Setembro de 1979 no castro de S. Estêvão, da freguesia da Facha, trouxeram nova luz para o conhecimento da história prévia do vale do Lima.

Entre o material exumado nessas escavações, que abrange uma longa sequência histórica, enumeram-se os fragmentos de cerâmica grega e as contas de colar de ascendência fenícia.

Quanto à primeira, tratando-se da típica cerâmica de figuras claras sobre fundo escuro num dos fragmentos era nitidamente visível o recorte de um braço humano – poderemos remontar os contactos da nossa região com o mundo grego ao século V a.C.

Na idade do ferro, a área de Ponte de Lima, como todo o noroeste da Península Ibérica, tornou-se mais densamente povoada. São desta época os castros: povoações localizadas no cimo dos montes, cercadas por fossos e muralhas, não muito longe de uma nascente ou de um curso de água. Os seus habitantes, que se abrigavam em pequenas casas redondas ou quadradas, agrupados em tribos, dedicavam-se principalmente ao pastoreio e ao cultivo de cereais.

Sabendo explorar e trabalhar os metais, faziam admiráveis trabalhos de ourivesaria, mas utilizavam uma cerâmica grosseira, inteiramente manual, de paredes espessas, decoradas, nem sempre, com linhas, riscos e alguns relevos: agasalhavam-se com tecidos de lã e linho. Trituravam os cereais com o moinho de rolo, constituído por uma pedra mais ou menos rectangular e ligeiramente côncava, sobre a qual uma outra, oblonga e arredondada, num movimento de vaivém, esmagava os alimentos.

Como são ainda raras as explorações arqueológicas, a localização dos castros no concelho de Ponte de Lima tem-se feito mediante a observação dos taludes formados pela terra que cobre os restos das muralhas circundantes. A confirmação da sua existência é possível através da análise do espólio de superfície, geralmente constituído por restos de cerâmica. Este processo ajudou a fazer inventariação de um largo número de castros, distribuídos pelas várias freguesias do concelho. Os mais importantes parecem ter sido os de Santo Ovídio, em Arcozelo, do Castelo, em S. João da Ribeira, do Alto de S. João, na Correlhã, de S. Lourenço, em Serdedelo, e do Crasto, em Vitorino de Piães.

Nas acrópoles de alguns desses castros, os templos dedicados aos deuses pagãos foram substituídos por ermidas cristãs: S. Ovídio, em Arcozelo, S. Veríssimo, em Calvelo, S. Cristóvão, em Freixo, S. Lourenço, em Serdedelo, S. João, na Correlhã; outros deixaram eco na toponímia: lugares do Castro, em Ribeira, Refojos, Santa Comba, Beiral e Vitorino de Piães; da Bouça de Castro, em Estorãos; de Castro Bom, em Moreira; do Castro de Mau Vizinho em S. João da Ribeira. Do Castro de Genso, em Calheiros, recolheu Manuel Gomes Dias um tosco ídolo de granito, relacionado com as crenças populares do mundo castrejo.

Apenas o castro de Santo Estêvão da Facha foi objecto de escavações sistemáticas.
As povoações castrejas perdurarão mesmo nos tempos da romanização, que, pelas repercussões que teve, merecerá uma atenção especial, em capítulo próprio.

 

* * *

Com as invasões bárbaras, no início do século V, dá-se uma profunda transformação da sociedade local, a ponto de até os próprios castros, que tanto resistiram à dissolução no mundo romano, terem sido abandonados, salvo algumas raras excepções, como o já referido de Santo Estêvão, e, nesse caso, em vez de continuidade, talvez seja melhor falar em reocupação do local.

A Ribeira Lima situa-se no espaço geográfico em que se instalou o reino dos suevos, seguindo-lhe a sorte, ao ser absorvido pelos visigodos.

Superada a crise resultante da invasão, o território conheceria então um período de vida intensa, de que nos falam vestígios arqueológicos e toponímios.

Aqui chegaram também os ecos da conversão ao catolicismo de Recaredo, o primeiro visogodo que reinou sobre os suevos. Com efeito, na Correlhã foi achada, no século passado, uma moeda de ouro de 22 quilates, com o peso de meia grama, comemorativa do 3º concílio de Toledo, realizado em 589, que assinala a conversão ao catolicismo de Recaredo e dos visigodos, de que foi rei entre 589 e 601.
No passal da freguesia de Ardegão, achou-se, em 1936, outra moeda visigótica, identificada como um triente, de 14 quilates, cunhada no tempo de Egica (687-702).

No Eido da Renda, em Beiral do Lima, foi exumada uma necrópole, com cerca de vinte sepulturas trapezoidais, de tégulas, ímbriques e pequenas lajes, onde, além dos característicos vasos de cerâmica e de vidro colorido, e de um punhal de ferro, se acharam fragmentos de prata, contas de âmbar, um anel e um precioso diadema de ouro.

Sepulturas antropomórficas cavadas na rocha há-as em várias freguesias do concelho: Correlhã (nas vizinhanças da igreja), Cabaços (no lugar de Bouça Longa), Labruja (nas proximidades da igreja e de um castro), Estorãos (no monte do Castelo), S. Pedro de Arcos (no lugar de Sangemontes) e Refojos (no lugar de S. Simão).

Na freguesia de Santa Cruz do Lima encontra-se dois capiteis ainda pré-românicos, depois levados para Braga. Dois outros se acharam na vila de Ponte de Lima – um na Rua D. Leonel de Lima e outro junto à fonte da Rua do Pinheiro.

Estes vestígios arqueológicos confirmam a existência, já então, de um agregado populacional, na mesma localidade onde mais tarde se fundaria a actual vila.
A proposta localização na área deste concelho da paroecia suéva de Agilde (Gelha – Rebordões-Souto) e do pagus de Annove (lugar d’Anova – Calheiros) não só nos leva a pensar numa colonização intensa sob o domínio suevo e visigodo, tal a abundância de topónimos referenciáveis a essas épocas, como também põe em causa a teoria do ermamento, isto é, do total despovoamento, a norte do Douro, após as invasões muçulmanas.

As crónicas árabes não falam de incursões profundas nem demoradas nesta zona, mas, decerto, as circunstâncias políticas não consentiam uma vida desafogada, originando o definhar das instituições e a ancilose económica, com a consequente rarefacção da vida urbana e a dispersão no campo e nos recôncavos montanhosos do interior.

Iniciada a reconquista, cedo o Alto Minho foi objecto da presúria, isto é, de uma nova apropriação do território por parte dos monarcas e dos nobres, conforme se ia estendendo para sul o domínio político da monarquia asturleonesa, nos séculos IX e X.

Com Afonso III o Grande (866-910) consolida-se a reocupação das terras situadas a sul do rio Minho. Em 915, Ordonho II doou a Villa Corneliana à igreja de Santiago, em substituição dos quinhentos soldos que seu pai, Afonso III, tinha deixado a esta igreja no seu testamento. A Villa Corneliana – correspondente à actual freguesia de Correlhã – transformar-se-ia, pelo menos durante algum tempo, no posto mais avançado da política de hegemonia e influência religiosa de Santiago de Compostela em território português, tendo servido como base estratégica na célebre transferência das relíquias de S. Frutuoso, levada pessoalmente a cabo pelo arcebispo D. Diogo Gelmires, em 1102.

Nos fins do séc. XII, integrado na cruzada ocidental contra os fundamentalistas muçulmanos conhecidos como almorávidas, veio enquadrar-se nas hostes leonesas um nobre francês, Henrique da Borgonha. Foi-lhe dada em casamento a infanta Teresa e o governo do condado de Portucale.

O Conde D. Henrique faleceu, em Astorga, em 30 de Abril de 1112, sem ver reconhecidos, pelo monarca de Leão, os seus planos de autonomia, amadurecidos nos duros anos de luta que empreendeu, para o defender e expandir para sul. D. Teresa, quando lhe caíram nas mãos os destinos do condado, tudo fez por desatar os laços de vassalagem em que a tentava enredar D. Urraca, rainha de Leão e Castela, então desposada com o rei de Aragão, D. Afonso, o Batalhador. A outorga do foral e a consequente criação do município de Ponte de Lima, promovida por D. Teresa, em 1125, deve ter sido, entre os seus objectivos, o de contrabalançar a importância da “vila” Corneliana e de lhe retirar parte dos moradores e, desse modo, reduzir a influência galega.

D. Teresa, diz a Crónica Compostelana, “invadia os confins da Galiza […] e fazia edificar novos municípios para inquietar e devastar a pátria e lutar contra a pátria e o rei” (a pátria e o rei aqui mencionados são, é claro, os de Leão).

Entre esses “municípios” estava em primeiro lugar o de Ponte.
O Município e O Julgado de Ponte de Lima
 
Quando D. Teresa fundou o município de Ponte de Lima, incluiu dentro do seu termo apenas o território correspondente à actual freguesia de Santa Maria dos Anjos e, ao que parece, o da freguesia de Arca. Esse termo alargar-se-á gradualmente, no correr dos tempos, até se chegar ao território do actual concelho de Ponte de Lima.

Embora à data da outorga do foral por D. Teresa já se faça referência à terra de Ponte, convém advertir que, naquela época, “terra” não significava o mesmo que município ou concelho, nem sequer o mesmo que “julgado”, e que, por isso, os limites territoriais da “terra” não coincidiam com os do concelho.

Um município é uma comunidade local dotada de autonomia na condução dos seus destinos. Município é a palavra que nunca aparece na documentação, embora seja a mais adequada para referir aquela realidade que nos tempos actuais é costume designar com a palavra concelho, que engloba o território, as gentes e os respectivos órgãos de governo local. Raramente a palavra concílio, sua equivalente na versão latina, aparece nesse sentido nos documentos do séc. XII e XIII. Quando se menciona o município, e sobretudo en referência à comunidade que o integra, a documentação usa, conforme os casos, as palavras “vila”, “cidade”, “moradores”, “habitantes”, ou os plurais “vós”, ou, quando é o concelho a pronunciar-se, “nós”.

As terras ou tenências equivalem a circunscrições territoriais criadas para fins de organização militar: um tenens ou rico-homem estava à frente de cada uma dessas terras, variando constantemente a sua área de acção, como se pode ver pelo enleco dos confirmantes de diversos documentos dos séculos XII, XIII e XIV. No foral de Ponte, aparece, como um dos confirmantes, Sisnando Ramires, que era o “tenens” de Riba de Lima.

Os julgados eram divisões territoriais estabelecidas para fins de administração da justiça, e tinham à sua frente um juiz, entendido já no sentido actual.

Nas cortes de 1211, foi determinado que nenhuma terra houvesse sem estar integrada num julgado; nenhum habitante poderia furtar-se desde então à alçada do juiz, ou ao seu juízo, em caso de delito ou de contenda, e muito menos cair, por usurpação, sob a alçada de autoridades estranhas, como os senhores de algum couto (domínio eclesiástico) ou de alguma honra (domínio nobre), em que a localidade onde vivia o súbdito não estava de facto englobada.

Em 1211 não se instituem os julgados, como por vezes se tem dito, mas apenas se determina a sua extensão a todo o reino. Há referências anteriores a vários julgados e muitas mais aos juizes que, pelo menos desde cerca de 1135, existiam em quase todos os concelhos. É a partir desta data que muitas vezes o concelho equivale ao julgado. Em consequência das referidas cortes, criaram-se vários julgados, que mais tarde se viriam a transformar em concelhos, mas em que o juiz era nomeado pelo rei, mas noutros casos alargou-se simplesmente a área submetida ao juiz de um município, eleito pelos seus habitantes, como sucedeu em Ponte de Lima.

 
O Alargamento do Termo de Ponte de Lima
 
A primeira ampliação do termo de Ponte verifica-se assim quando este se tornou a cabeça do julgado de S. Martinho, que incluía a parte norte do actual concelho e mais as freguesias que hoje estão englobadas na parte norte do concelho de Viana. Apesar do nome, este julgado nada tinha a ver com a freguesia actualmente conhecida por esse nome, nem com as que rodeiam, na margem esquerda do Lima.Da jurisdição do concelho ficavam excluídas as freguesias integradas nalgum couto e assim dependentes, mesmo na jurisdição civil, de alguma autoridade eclesiástica. A integração da terra de S. Martinho no julgado de Ponte de Lima deve ter-se dado, por conseguinte, pouco depois e em resultado das cortes de 1211.

As inquirições de 1220, por se estenderem apenas até ao Lima, não fornecem quaisquer dados sobre o quadro administrativo da margem direita do rio Lima. Sabemos que a sul o espaço do actual concelho se repartia por diversos concelhos e coutos eclesiásticos. A situação não difere substancialmente da que volta a ser testemunhada pelas inquirições de 1258, estas a abranger também o espaço localizado entre os rios Minho e Lima.

Ao julgado de Aguiar de Neiva pertenciam as freguesias de S. André de Vitorino, S. Salvador de Navió, S. Tiago de Poaires, S. Maria de Ardegão, S. Martinho de Friastelas e S. Julião de Paçô (Freixo), estas duas só mencionadas em 1258, além de outras nove actualmente integradas noutros concelhos.

Ao julgado de Penela, com mais de três dezenas de freguesias, uma parte das quais integradas no actual concelho de Vila Verde, pertenciam as de Fornelos, Queijada, Sinde (Anais), Gaifar, Fojo Lobal, S. Lourenço (do Mato), Sandiães, Calvelo, Cabaços, S. Martinho da Gândara, Gemieira, S. João da Ribeira, Arca, Lavradas, Santa Cruz, (então designada como S. André), Gondufe, Mosteiro de S. Marta e S. João de Serdedelo, Beiral, Boalhosa (couto da ordem do Hospital).

A freguesia de Correlhã funcionava como um julgado à parte, com juiz próprio, uma vez que era couto da Igreja de Santiago de Compostela. O julgado de S. Estêvão era constituído pelas freguesias de S. Miguel da Facha, S. Mamede de Padela (Seara), S. Maria de Barco e Mosteiro de Vitorino (hoje numa só freguesia, Vitorino das Donas). Souto e Rebordões formavam um concelho, com duas freguesias, hoje conhecidas com os nomes de Rebordões-Souto e Rebordões-Santa Maria.

Na margem direita do rio Lima estendia-se o vasto julgado de S. Martinho, dependente do juiz de Ponte de Lima, constituído pelas freguesias que pertencem a este concelho e ao de Viana. Por isso o juiz de Ponte de Lima interveio na inquirição em todas essas freguesias. Não se menciona a freguesia de Cabração, que então era couto do mosteiro de Vitorino das Donas e se encontraria despovoada. Vilar do Monte, então designada como S. João de Vilar ou Vilar de Miranda, é incluída, em 1258, na inquirição relativa ao julgado de Valdevez. Refojos era um couto dos Cónegos Regrantes, com jurisdição própria.

A primeira alteração a este panorama resulta da criação do município de Viana, com a outorga do foral por D. Afonso III, em 1258. Desanexaram-se então da jurisdição de Ponte de Lima as freguesias que passavam a constituir o termo do novo concelho, situadas para lá do rio Podre, que separa Fontão de Lanheses. Mas, em contrapartida, como documenta o pergaminho n.º 5 do Arquivo Histórico de Ponte de Lima, em 1369, D. Fernando integrou no termo de Ponte de Lima o julgado de Penela, parte do de Valdevez, desde a igreja de S. Pedro do Souto, e o de Aguiar de Neiva. Ficou assim com uma dimensão próxima da que tem na actualidade.

Posteriores alterações modificaram este mapa, como a criação do concelho de Albergaria, que englobava freguesias dos antigos julgados de Aguiar e de Penela. Na área do concelho continuavam a existir alguns coutos: Bertiandos, Feitosa, Correlhã, Gondufe, Cabaços, Queijada e Boalhosa. Em grande parte, no fim do século XVIII, estes coutos foram transformados em pequenos concelhos, que viriam a ter uma duração muito efémera.

Com a reforma administrativa implantada após a instauração do liberalismo, em 1836 e 1837, esses e outros pequenos concelhos ou suas parcelas (a Facha, incluindo Seara e Vitorino das Donas, assim como S. Pedro de Arcos, Cabração, Fontão e Moreira, do concelho de Lanheses, Anais, Vilar das Almas, Calvelo, Fornelos, Fojo Lobal, Gaifar, S. Lourenço do Mato, Sandiães, Freixo e Friastelas, do concelho de Albergaria de Penela) foram extintos e integrados num só, o actual concelho de Ponte de Lima.

O concelho abrange presentemente cinquenta e uma freguesias, situando-se 33 a sul e 18 a norte do rio Lima.

Ponte de Lima ou Ponte do Lima
 
Aparece escrito de modos diferentes o nome da terra: Ponte de Lima e Ponte do Lima.

A mais antiga grafia do nome deste concelho, e a única usada durante séculos, é Ponte de Lima.

A grafia Ponte do Lima conquistou, no entanto, algum número de seguidores a partir de meados do século dezanove.

Tanto os que são de opinião que se deve escrever Ponte de Lima como os que preferem Ponte do Lima alegam a seu favor a linguagem popular. Ambas as maneira de dizer se ouvem, de facto, na região, embora seja mais frequente a forma Ponte de Lima.

Aduzem-se, igualmente, a favor de uma e outra forma, os testemunhos de vários escritores, do século passado e do presente, pelo que também este argumento não serve para dirimir a questão.

Uma outra razão, apresentada com frequência, é de ordem lógica e gramatical. Os que defendem a forma Ponte do Lima dizem que a palavra Lima designa o rio e é do género masculino. Os que, pelo contrário, preferem Ponte de Lima dizem que Lima é o mesmo que Límia, designação hoje em desuso nas terras portuguesas, a qual englobava a região atravessada pelo rio, que por isso se chamou também “rio de” ou “rio da” Límia ou Lima, antes de se dizer simplesmente “rio Lima”.

Não se pode negar fundamento e valor a estes argumentos apresentados em defesa de uma e de outra forma. Isto é, a pronúncia popular, a maneira de escrever dos autores dos últimos dois séculos e as razões de ordem lógica ou gramatical tanto podem abonar a favor de PONTE DE LIMA como a favor de PONTE DO LIMA.

Se o quisermos aceitar, resta um caminho pelo qual podemos enveredar para encontrar a solução do problema: o caminho da história, que consiste em saber como se foi designando e escrevendo o nome desta terra no decorrer dos tempos. Se alguma dessas formas precedeu ou se impôs sobre as outras, essa é a que devemos utilizar.

A primeira designação com que a nossa terra aparece referida nos documentos é simplesmente “Ponte”; assim acontece, por exemplo, no foral de D. Teresa, onde a rainha estabelece: “Placuit mihi ut faciam vilam supra nomimato loco Ponte cautum”, isto é, “aprouve-me tornar couto a vila situada no referido lugar de Ponte”.

A mais antiga referência documental onde a nossa terra é mencionada pelo seu nome composto, em que entram as duas palavras PONTE e LIMA, talvez seja a das Inquirições de 1258. A abertura do capítulo relativo ao julgado que então abrangia a parte norte dos actuais concelhos de Ponte de Lima e Viana do Castelo é esta: “Item in Judicatu de Ponte de Lima”. E, embora ao chegar á vila, se diga simplesmente, aliás em mais correcto latim, “Item in vila de Ponte Limie”, já na inquirição relativa à freguesia de Orbacém (Sancta Ovaya de Arvazani), situada no julgado de Caminha, se encontra a seguinte passagem: “quando el Rey vem a Ponte de Limia et quer corer monte, vam pora ele cum caes et cum azcunas et cum cornus, et andam cum elrey” (quando El Rei vem a Ponte de Lima”…).

Passando da documentação de ordem geral à que diz exclusivamente respeito ao nosso concelho, podemos folhear os pergaminhos do Arquivo Histórico Municipal de Ponte de Lima.

O mais antigo documento aí existente é a carta de D. Afonso IV, dada em Santarém, a 17 de Maio de 1326, a confirmar o foral, os bons usos e costumes do município; diz assim, numa passagem, a breve carta, redigida no português da época: “faço saber que eu querendo fazer graça e mercê ao Concelho de Ponte de Lima outorgo lhi e conffirmo seu foro”.

De igual modo se exprime idêntica carta de confirmação, passada pela infanta D. Branca, em 9 de Fevereiro de 1332: “faço saber que eu querendo fazer graça e mercê ao concelho de Ponte de Lima outorgo lhi e conffirmo seu foro”.

No pergaminho n.º 3 do mesmo arquivo, uma longa carta de sentença, dada por D. Pedro I, em Leiria, a 30 de Maio de 1360, pondo fim à querela entre o concelho de Ponte e os moradores da terra de S. Martinho, sobre o pagamento de fintas e talhas, o nosso concelho é repetidas vezes mencionado com a designação de “Ponte de Lyma”.

O pergaminho n.º 4, igualmente extenso e constituído por uma carta de sentença, dada por D. Fernando, em 12 de Setembro de 1368, solucionando nova querela sobre a mesma matéria, entre o concelho de Ponte e os seus moradores de S. Martinho, contém múltiplas repetições do nome “Ponte de Lima”.

Com esta amostragem, iniciada pelos documentos mais antigos, dispensamo-nos de passar em análise, um a um, todos os 75 pergaminhos do valioso Arquivo Histórico do nosso município, na maior parte dos quais se encontra o nome da vila ribeirinha ou do concelho escrito sempre de maneira que corresponde a PONTE DE LIMA e nunca, mesmo nunca, a “Ponte do Lima”.

Não podemos ter a pretensão de conhecer, nem sequer por alto, toda a documentação posterior referente ao nosso concelho. Mas em toda a que passou debaixo dos nossos olhos, nunca encontrámos, pelo menos até meados do século XVIII, a forma “Ponte do Lima”. Na documentação relativa ao mosteiro de Vitorino das Donas, nos séculos XIV e XV, registe-se por mera curiosidade que o rio até aparece algumas vezes designado no feminino – rio da Lima -, o que, na lógica dos defensores do nome da nossa terra com artigo a seguir ao “d”, obrigaria a que se dissesse “Ponte da Lima”!

Nunca, em toda a documentação anterior às últimas décadas do século XVIII, encontrámos a forma “Ponte do Lima”.

PONTE DE LIMA é, por conseguinte, historicamente, a maneira mais correcta de escrever e dizer o nome da nossa terra.

1326.05.17, Santarém
– D. Afonso IV confirma ao concelho de Ponte de Lima o seu foro, bons usos e costumes.
Arquivo Histórico do Município de Ponte de Lima, pergaminho n.º1

Dom Affonsso pela graça de Deus Rey de Portugal e do Algarve a quantos esta carta virem faço saber que eu querendo fazer graça e mercêe ao Concelho de Ponte de Limha outorgo lhi e conffirmo o seu foro que ham fecto e seos boons usos e costumes assy como os ouverom en tenpo dos Reys que ante mi foram. Em testemonho desto dey ao dicto Concelho esta minha carta. Dante en Santarém dez e sete dias de Mayo. El Rey o mandou, Martim Stevez a ffez. Era de mill trezentos sasseenta e quatro anos.
 
Fonte: António Matos Reis, Ponte de Lima no tempo e no espaço (CM P Lima)
Ponte de Lima Histórica – A Vila Mais Antiga de Portugal
 
Em Ponte de Lima, terra de história e de histórias, um passeio pelo centro é um regresso à nossa ancestralidade. O Largo de Camões, sala de visitas da vila, acolhe-o com o Chafariz Nobre, terminado de construir em 1603.

A Ponte, logo ali ao lado, vai abrir-lhe o apetite para a respectiva travessia, a pé, ao longo de cerca de três centenas de metros. Atravesse-a e admire a beleza da Igreja de Santo António da Torre Velha, do século XIX, com destaque para a altura da torre e para as gárgulas existentes em cada ângulo da mesma.

Contígua, a Capela do Anjo da Guarda, uma construção com raízes românicas e góticas, que muitos atribuem ao século XIII, vai aguçar-lhe a curiosidade pela forma singela e harmoniosa com que se insere na paisagem.

Continue na margem direita onde a importância da agricultura é registada no Museu Rural, junto aos Jardins Temáticos do Arnado – visite a sala do linho, a cozinha regional, o forno de cozer o pão e a adega.

Não regresse à outra margem sem visitar o Festival Internacional de Jardins, se a sua visita coincidir com as datas em que se encontra aberto ao público, e o pitoresco Arrabalde de Além da Ponte, de inegável interesse arquitectónico.

Na margem esquerda, de volta ao centro histórico, admire a Torre de S. Paulo, do século XIV, o Pelourinho, a Torre da Cadeia Velha, espaço que serviu de encarceramento até aos anos sessenta do século XX e o Arco da Porta Nova, que dá acesso à velha Rua da Judiaria.

Ao dirigir-se a um outro ex-libris de Ponte de Lima, a Avenida dos Plátanos, detenha-se na barroca Capela de Nossa Senhora da Penha de França. Na referida avenida, visita obrigatória à Capela de Nossa Senhora da Guia (século XVII) e ao notável conjunto formado pelas Igrejas de Santo António dos Frades (século XV) e da Ordem Terceira de S. Francisco (século XVIII), recentemente recuperadas, que albergam o Museu dos Terceiros onde pode admirar um precioso conjunto de arte sacra.

Dirija-se agora ao Teatro Diogo Bernardes, belo exemplar de um teatro à italiana, inaugurado em 1893 e recentemente restaurado, que continua a ser o centro cultural, por excelência, da vila. De imediato, o Palacete Villa Moraes, com admiráveis fachadas de imitação neoclássica, ao velho estilo de brasileiro torna viagem, e um parque envolvente, romântico, acolhedor e convidativo a uns momentos de deleite.

De volta ao centro da vila, uma passagem pelo edifício da Biblioteca Municipal, com a sua varanda alpendrada, ao Largo da Picota. A Igreja Matriz, mandada reconstruir por D. João I, é de visita obrigatória.

Daí, dirija-se ao Paço do Marquês (século XV), visite o Núcleo Arqueológico, os jardins envolventes e as belas varandas manuelinas do edifício

Sugerimos também a visita à Igreja da Lapa, onde se encontra a imagem do santo negro S. Benedito.

Na Praça da República destacam-se os monumentos evocativos à Rainha D. Teresa e ao Poeta António Feijó, o edifício dos Paços do Concelho e o Pelourinho. Perca-se agora pelas ruas e ruelas da vila, com destaque para a Rua Beato Francisco Pacheco e para o quinhentista Bairro das Pereiras com belos exemplares arquitectónicos e fachadas notáveis.

Sugerimos o término deste roteiro, de entre muitos outros possíveis, na Capela de Nossa Senhora da Misericórdia das Pereiras, onde irá desfrutar de uma vista sublime para o rio e para o conjunto da totalidade da vila.
 

Rio Lima – O Rio do Esquecimento
 
 
Rio Lima e Igreja de Santo António
A ligação desta terra ao rio que lhe deu parte do seu nome é muito forte e, ainda nos dias de hoje, temos que reconhecer essa mais valia que é também um ponto marcante dos sectores turístico e ambiental.

Denominado pelos romanos de Lethes – o Rio do Esquecimento (acreditavam que quem o atravessasse perderia para sempre a memória do passado), foi a mais importante via de comunicação até à construção das estradas reais, regou durante séculos as nossas terras, abasteceu de águas as nossas casas e permite, coisa rara nos dias que correm, que residentes e visitantes possam banhar-se nele durante o período balnear, pois a poluição, felizmente, ainda não chegou a estas paragens.

Os desportos náuticos são cada vez mais uma constante. A sua prática motiva uma procura crescente das suas águas e das estruturas colocadas à disposição de atletas e de praticantes das mais diversas modalidades desportivas aquáticas.