Tomai, todos, e bebei:
este é o cálice do meu Sangue,
o Sangue da nova e eterna aliança,
que será derramado por vós e por todos,
para remissão dos pecados.
Fazei isto em memória de Mim.

Assim disse Cristo na última ceia e assim fez o homem cristão trazendo pela mão o judeu, o ateu e discretamente o muçulmano. O vinho cai em qualquer pano pois não olha a raça ou religião. É Universal. Planta-se de forma natural em cada homem enquanto floresce e se oferece em bagos de esperança.

São videiras velhas da lembrança de um passado que enriquece o futuro.

Entre o homem e o vinho não há fronteira, nem há maneira de perceber onde acaba um e começa o outro. O mesmo espírito e a mesma graça, a alma que abraça o mistério da vida. Nas veias o sangue que lembra o vinho e nas pedras do monte a memória do sacrifício da purificação. Das chagas à glória. Euripedes e Nietzsche fizeram menção a esta história.

Atrás de um grande vinho vive um homem de alma generosa. Seja ele aquele que o idealiza, arquiteta, produz ou finalmente o consome. Toda a cadeia influencia o processo, cada indivíduo dá ao néctar um pedaço do seu âmago para no fim ser preservado na memória. Registado no grande livro de lembranças das coisas espetaculares. De terroir para terroir. Da terra dos campos para o chão do peito. A perfeita evolução que nunca deixa de amadurecer. O mistério que ninguém consegue esclarecer.

Será o homem que bebe o vinho ou é o vinho que nos anda a beber?

Depois, no momento da verdade, quando escorre por nós a generosidade do sumo, acontece magia num trago que geme e entoa Eine kleine Nachtmusik. É Mozart. Escuto violinos e música clássica. Mas também é Lisboa, fado e furacão que arrasa com promessas de paraíso.

Bebo a luz do sol, o tempero da primavera, o calor das tardes de verão, a colheita de outono e o frio do inverno.

Podemos vasculhar os tempos idos, o passado mais antigo, pesquisar ou varrer o pais inteiro que não vamos encontrar alguém que por interesse financeiro se tenha dedicado ao negócio do vinho.
E porquê? Porque é amor, senhores, é amor.
É amor, sacrifício e altruísmo.
É dar sem favor num gesto de partilha. É heroísmo.
É cuidar da safra como se ama uma filha.
É arte. Arte de produzir e arte de degustar.
É a grandeza de um homem que deixa beber de si. É a união e a imensidão num binómio que talvez se explique nisto: por trás de um copo de vinho está Jesus Cristo.

#tristaodeandrade