A profissão de escanção ou sommelier dela se incube, mas também qualquer apreciador, em sua casa, deverá procurar oferecer um correcto serviço de vinhos. Não é complicado, mas requer cumprimento de várias regras num jogo que quase sempre se adapta às mais variadas circunstâncias.
Para começar, se se quer executar um correcto serviço de vinhos necessitamos de algum equipamento. Decantadores, mangas de refrigeração ou frappés para água e gelo, corta cápsulas ou faca afiada, saca-rolhas, copos adequados, incolores, limpos e inodoros, termómetro, vela ou outra fonte de luz (para ajudar decantação) fazem todos parte do equipamento obrigatório. Mas antes do serviço propriamente dito, alguns aspectos preliminares…
Vinho e comida: um tema complexo
Já o poeta, filósofo e epicurista romano Quinto Horácio Flaco dizia que “o vinho a servir deve ser escolhido consoante os convidados e ocasião”.
Um tema complexo e que daria azo a um compêndio de regras ou sugestões. A prática, bom senso e sensibilidade de cada um, fará toda a diferença.
Desde a côdea de pão para limpar a boca durante uma prova de vinhos até à refeição clássica mediterrânica, a relação do vinho com a comida é um jogo de sabores imenso e inesgotável.
E impõe-se a pergunta: devemos cozinhar para o vinho que vamos servir ou escolher um vinho em função do prato de cozinhámos? Tudo dependerá das circunstâncias e a decisão caberá ao anfitrião. A ideia é conseguir que ambos os elementos lucrem com a associação e juntos saibam melhor que separados. O nível de sucesso dependerá de uma imensidão de factores onde se poderão incluir a proficiência do cozinheiro e/ou escanção e a boa vontade dos comensais.
Em traços gerais é o corpo ou álcool do vinho e o seu tipo e número de taninos, assim como o seu nível de acidez ou doçura que vão determinar o sucesso do casamento. Vinho e comida é, na maioria dos casos, uma relação de concordância, ou seja, quanto mais intensidade tiver o vinho mais sabor deve ter a comida e vice-versa, pratos delicados preferem vinhos leves e perfumados. Se a comida que tem no prato é doce ou adocicada deve optar por vinhos brancos ou tintos pouco ácidos e pouco secos, eventualmente vinhos meio secos ou doces podem constituir a opção correcta. Um peixe que pede tempero de limão ou vinagre apreciará ser acompanhado por um branco seco e cítrico. Um vinho taninoso mostrar-se-á menos áspero se for servido com pratos gordos de tempero e textura forte e pesada. Para além disto, um vinho banal pode beneficiar com comida bem temperada e um grande vinho brilhará mais se a comida for relativamente neutra.
O tema é labiríntico mas não há nada como praticar para se adquirir experiência. Uma regra de ouro: lembre-se sempre que os vinhos mais caros não são obrigatoriamente os que vão casar melhor com o prato que vai cozinhar. Não se deixe iludir pelas pontuações e procure ser sensato.
Ordem de serviço
O jantar e o grupo de amigos podem justificar que se beba mais que um tipo de vinho. A ordem pela qual são servidos os vinhos pode alterar consideravelmente o seu carácter individual. Há uma regra clássica que aconselha os vinhos secos antes dos doces, os jovens antes dos velhos e o bom antes do muito bom.
Mas se a primeira premissa se pode considerar totalmente lógica, posto que um vinho seco a seguir a um doce parecerá ácido e agressivo, as seguintes premissas são muito discutíveis. Os vinhos velhos, apesar de mais complexos, não têm o mesmo impacto e potência de prova de um vinho jovem e encorpado, donde que muitos apreciadores preferem começar pelo vinho mais velho e mais delicado e terminar no vinho mais jovem e potente. Mas tudo depende do número de vinhos e comida a acompanhar e dos gostos e sensibilidades dos convivas. Quanto ao “bom antes do muito bom” também não deixa de ter detractores que defendem que os melhores vinhos devem ser bebidos quando a boca está fresca e melhor preparada para os apreciar e não no fim, quando está cansada ou massacrada com outros sabores e temperos.
Temperatura
O vinho ou vinhos estão escolhidos. Vamos ao serviço.
O velho e gasto conceito de “brancos e rosés frescos e o tinto à temperatura ambiente” não funciona. E porquê? Porque é muito vago e não indica temperaturas precisas. A temperatura é, de longe, o factor mais importante no serviço de vinho. É determinante para o seu aroma e gosto. Os componentes voláteis do vinho têm diferentes modos e temperaturas de volatilização. Aumentam ou diminuem com a temperatura. O aroma é incrementado a 18º C diminuído a 12º C e neutralizado a menos de 6º C. Acima dos 20ºC o álcool domina e com ele podem surgir alguns defeitos e fraquezas que estariam escondidas a temperaturas mais baixas ou adequadas.
No caso do gosto, as temperaturas muito baixas (abaixo de 6º C) inibem as papilas. Entre os 10º C e os 20º C os gostos evoluem correctamente. Os sabores doces aumentam com a temperatura. A temperatura baixa diminui o efeito de calor e ardor do álcool, reforça a acidez e aumenta os gostos salgado e amargo assim como a adstringência ou aspereza de um tinto. No caso do espumante favorece a bolha fina e o fraco desprendimento de gás.
A temperatura correcta do vinho que vai servir é fundamental para a aclamação da sua qualidade (ver caixas).
O copo de vinho
Sem um bom copo, pode perder uma percentagem importante do prazer que contém a garrafa de vinho que escolheu. O copo para vinho é um cálice de tamanho e formas muito variadas. A base do copo assegura a sua sustentação, o pé tem a função de pega e permite incutir movimentos circulares ao cálice em foram de tulipa de modo a arejar o vinho que contém e concentrar os seus aromas junto da saída onde se encontra o nariz do apreciador/provador.
Existem no mercado inúmeras marcas a múltiplos preços de copos para vinho. A oferta é por vezes desconcertante. Dezenas de modelos, cada um deles com um fim específico relativo ao tipo de vinho ou casta de uva em causa. E na verdade toda esta panóplia de copos está longe de ser pura imaginação do comerciante, porque na prática a maioria dos vinhos de qualidade tem comportamentos diferentes consoante o copo em que são servidos. O formato da tulipa e a espessura do cristal são determinantes na forma como o aroma se concentra na boca do cálice e no modo como o vinho entra na boca e banha os órgãos sensoriais responsáveis pelo gosto.
Como o copo para vinho oferece mais aroma que um copo normal existem vantagens para os vinhos de maior qualidade e desvantagens para os vinhos menos bons que assim podem por a descoberto os seus pontos fracos ou algum pequeno defeito.
Opte por um serviço de copos leves, elegantes e sobretudo amigos da carteira. Um copo para vinhos encorpados, outro para vinhos delicados, outro para espumantes e outro para Porto ou generoso chega e sobra.
Respirar da garrafa
Uma questão que por vezes se levanta: depois de retirar a rolha, deixar a garrafa a “respirar” durante umas horas antes de servir. Na realidade, a superfície de vinho em contacto com o oxigénio é tão reduzida que os efeitos benéficos retirados do ensejo serão sempre muito diminutos e negligenciáveis. Contudo, uma garrafa de vinho muito velho que esteja “fechado” ou sofra um pouco de “redução” depois de tantos anos fechado numa garrafa poderá beneficiar com esta opção de serviço.
Decantar, sim ou não?
“Decantar” significa passar de um recipiente a outro um líquido que contém um depósito sólido. Esta é uma das principais razões que nos levam a decantar um vinho. Mas há mais…. Vinhos brancos e tintos com aromas reduzidos melhoram com um decantação prévia. Vinhos brancos e tintos encorpados e estruturados que se apresentem com uma prova “fechada” (menos aroma e sabor do que o esperado) beneficiam com uma decantação. Estas são situações especiais de serviço porque, a esmagadora maioria dos vinhos, tintos correntes ou mesmo de alta qualidade que não estão nas condições descritas, não necessitam de decantação.
Tintos muito velhos (com mais de 20 anos) requerem por vezes cuidados especiais e apesar de poder existir depósito no fundo da garrafa, a decantação pode representar um verdadeiro golpe de misericórdia para o nosso “amigo”. Nunca devemos obrigar um velho a correr. O melhor será colocar a garrafa num cesto decantador e ir servindo com cuidado.
Como decantar
Se o vinho tem depósito a garrafa deve permanecer em pé ou num cesto decantador entre 12 a 24 horas. Depois abre-se cuidadosamente a garrafa e iniciamos lentamente o processo de decantação de preferência com uma fonte de luz debaixo do gargalo da garrafa para facilmente visionarmos o depósito sólido e não permitirmos que saia.
Se o vinho não tem depósito apenas há que transvazar o líquido de um recipiente para o outro com cuidado inerente às boas práticas do serviço de vinhos.
As sobras
Acabou a refeição. Sobrou vinho na(s) garrafa(s). Das duas uma: ou o coloca no frigorífico (o que retarda as reacções de oxidação do vinho em contacto com ar dentro da garrafa) ou o protege retirando o ar dentro da garrafa com recurso a um sistema de criação de vácuo, tipo VacuVin ou, melhor ainda, bombeia um pouco de azoto para dentro da garrafa. Como este gás é mais pesado que o ar protege o vinho do contacto com o oxigénio.
Mais alguns conselhos |
● Em caso de dúvida antes servir um vinho fresco demais que quente. Para ganhar temperatura basta aquecê-lo entre as mãos. ● No Verão não hesite em descer 2 ou 3 graus (ou mais) as temperaturas de serviço. Caso contrário os vinhos rapidamente ultrapassarão a temperatura correcta de consumo. ● Saiba com antecedência que vinho(s) vai servir de modo a acomodá-los à temperatura adequada. ● Procure conseguir a temperatura de consumo sempre de forma gradual. Os brancos ou espumantes podem ser arrefecidos repentinamente. ● Evite aquecer repentinamente um vinho frio pois pode “cozê-lo”. ● Refrescar vinho no frigorífico ainda que seja no congelador, é bastante mais lento que num frappé com água e gelo. Duas a três horas no frigorífico, uma no congelador e 30 minutos no frappé. |
Temperaturas de Consumo |
● Tintos mediterrânicos encorpados: Douro, Ribatejo, Sado, Alentejo e Porto LBV e Vintage – 16º a 18º C. ● Tintos continentais, com menos cor, menos taninos e mais acidez: Cotas Altas do Douro, Trás-os-Montes, Beiras – 16º C. ● Tintos Atlânticos, frescos e estruturados, Dão, Bairrada, Estremadura – 18º C ● Tintos leves e frutados, Porto Tawny, Moscatel – 14º a 16º C ● Brancos estruturados, licorosos, Porto branco, Xerez: 10º a 12 C ● Brancos frutados: 8º a 10º C ● Espumantes: 6º a 8º C |
Como abrir a garrafa e servir o vinho |
1 – Colocar a garrafa de vinho à temperatura necessária de serviço 2 – Verificar se existe depósito sólido no fundo da garrafa 3 – Cortar a cápsula (caso exista) abaixo da Marisa 4 – Limpar bolores da parte superior da rolha e gargalo 5 – Extrair a rolha com a ajuda de um saca-rolhas 6 – Cheirar a rolha (na maioria dos casos ajuda ao despiste de TCA) 7 – Provar o vinho 8 – Decantar caso seja necessário 9 – Servir cuidadosamente cerca de 80 centilitros de vinho em cada copo. O drop stop pode ajudá-lo a evitar a gota que pode manchar o mais impecável serviço de vinho. Fonte: Site da Revista de Vinhos |