Penafiel, com as suas trinta e oito freguesias distribuídas por 212,82 km2, é uma terra antiga no coração do velho Entre-Douro-e-Minho. Ocupando o interflúvio Sousa/Tâmega/Douro, tem solos essencialmente graníticos, ricos de águas e propícios para a exploração agrícola intensiva, nas últimas décadas valorizados também em função de uma importante indústria de extracção de pedra. A sudoeste, as freguesias integram-se no complexo xisto-grauváquico, tornam-se mais extensas, com importantes parcelas de monte, outrora baldio pastoril, hoje florestado.
Zona intermédia de contacto do litoral com a montanha, em todos os tempos por aqui passavam importantes vias de comunicação inter-regional, terrestres e fluviais. Exemplo das primeiras seria a estrada real que desde a Idade Média ligava o Porto a Trás-os-Montes, geradora do actual centro urbano que, a um dia de viagem, desempenhava papel fulcral no apoio ao trânsito de passageiros e mercadorias. O Douro surgia como indispensável via fluvial de penetração para o interior, com papel mais relevante à medida que nas encostas do Alto Douro se expandia a produção do vinho generoso, que descia nos rabelos até ao Porto. Entre-os-Rios, também a um dia de viagem, cumpria aqui papel idêntico ao da cidade, no apoio aos viajantes e como centro de redistribuição de mercadorias.
Bastante povoado desde a pré-história, como testemunham dezenas de monumentos megalíticos e alguns povoados, no território penafidelense não faltam também sítios castrejos. Monte Mozinho (Oldrões/Galegos), povoado fortificado erguido no dealbar da nossa era será, pela sua extensão e relevância material, um primeiro centro, que, após trinta anos de escavações arqueológicas merece bem uma visita atenta.
Com a consolidação da integração no mundo romano, veremos a população organizar-se em novas formas de habitar, tipificadas em lugares abertos e concentrados, rodeados por terras de lavoura, ou em casais dispersos na paisagem agrícola como ilustram as casas postas a descoberto na Bouça do Ouro (Boelhe).
As termas romanas de S. Vicente do Pinheiro, surgidas no início do século XX aquando da construção do actual estabelecimento termal, já destinadas a fins medicinais, podem dar-nos uma imagem dessa permanência milenar da capacidade para identificar e aproveitar os recursos naturais.
Também os filões de ouro existentes nos xistos e quartzitos foram explorados na época romana. Um intenso comércio e a circulação de uma moeda comum trouxe a todos estes núcleos grande quantidade e diversidade de produtos artesanais, que materializam a integração cultural, reafirmada por valores fundamentais como a adopção da língua e das formas de ser e de estar da romanidade.
No século IX a vivência do território é outra, pontificando como nova centralidade a Civitas Anegia, instalada num cabeço sobranceiro à confluência do Tâmega com o Douro, que dominaria extensas terras nas duas margens daqueles rios. A esta Civitas pertencia a futura terra ou tenência de Penafiel de Canas que, no século XI, desmembrada a anterior organização, assumirá por sua vez a capitalidade de um espaço mais reduzido, embrião do actual município.
Neste mundo românico, retratado pelas Inquirições de 1258, deparámos com muitas das actuais paróquias, imersas numa economia agro-pecuária e piscatória que foi longamente dominante.
Dos grandes senhorios eclesiásticos destacamos, porque aqui sedeados, os mosteiros beneditinos de Paço de Sousa e de Bustelo, o primeiro ostentando ainda uma magnifica arquitectura românica e dando guarida ao cenotáfio historiado de Egas Moniz de Ribadouro, aio de Afonso Henriques, o segundo profundamente transformado ao gosto barroco, de uma riqueza e monumentalidade ímpar.
As casas fidalgas de raiz medieva podem bem ser representadas pela Honra de Barbosa (Rans), com a sua torre sobranceira às terras de cultura, ou pela mais transformada Torre de Coreixas (Irivo).
Os templos românicos de Boelhe, esse divino brinquedo como lhe chamou Miguel Torga, ou o de S. Salvador da Gândara onde se venerava uma cabeça santa muito milagrosa, procurada pelos peregrinos, o de Abragão ou o mais tardio de S. Miguel da Eja, no qual se anuncia já o gótico, o memorial funerário de Ermida (Irivo) são monumentos nacionais.
Por este tempo emergia no território penafidelense uma nova realidade. Na freguesia de Moazares, de cuja igreja românica (Santa Luzia) temos ainda a cabeceira, rodeada por sepulturas escavadas na rocha, surgiu um segundo núcleo forte, instalado à margem da estrada que vinha do Porto e, passado o rio Sousa na medieva ponte de Cepeda, ascendia pela Costeira até atingir o alto. Aqui estaria o local ideal para crescer um aglomerado urbano especializado em serviços aos viandantes, na artesania e venda de manufacturas, no estabelecimento de uma grande feira. Arrifana de Sousa foi o nome escolhido.
Este era um lugar arruado, disposto em banda ao longo da estrada, onde João Correia, um rico mercador da praça do Porto com trato na Flandres, cristão novo ao que se diz, faria erguer a manuelina capela do Espírito Santo, na cabeceira da qual alojou o próprio túmulo, coberto por uma bela placa de bronze lavrado com o seu vulto, trabalho flamengo que fez vir ainda em vida, nos anos iniciais do século XVI faltando por isso completar na gravação da data fúnebre.
Em crescimento, Arrifana assumiu a paróquia, com o orago S. Martinho, e construirá nas décadas de 50 e 60 do século XVI um novo templo, sobre a capela de João Correia, no modelo de igreja-salão com fachada retábulo maneirista. Apesar desta pujança, a terra continuava na dependência administrativa do Porto desde que D. João I a dera àquela cidade como agradecimento pela ajuda à sua causa.
Durante toda a Idade Moderna Arrifana de Sousa cresceu como centro de serviços e terra de muitas indústrias, com uma importante feira anual no S. Martinho, e ampliou a mancha urbana que se estendia já para cotas mais elevadas onde, no início do século XVII, a Misericórdia, uma das mais antigas do país, fará construir a sua monumental igreja. A fidalguia, no entanto, mantinha-se fora da urbe, preferindo habitar os solares ancestrais, que a acumulação de recursos provenientes do aumento da rentabilidade das terras e dos negócios de além-mar permitirá reformar e monumentalizar.
Apenas em 1741, depois de uma persistente insistência junto do poder, a que o Porto sempre se oporá, Arrifana de Sousa ascende à categoria de vila e concelho, composto por duas freguesias, a própria e a vizinha Santiago de Sub Arrifana. Pouco viável, mas orgulhosa da sua autonomia duramente conquistada, a população e a Câmara serão, em 1770, surpreendias pela elevação a cidade, sede de um vasto concelho. Não o haviam pedido, nem sequer foram atempadamente informados desta benesse, atribuída por D. José a 3 de Março, para que aqui se pudesse fixar a sede de um novo bispado que a política pombalina queria destacar do território da poderosa mitra portuense. Mais ainda, por esta determinação régia, Arrifana perderia o seu nome para adoptar o de Penafiel, até então reservado ao concelho cujas justiças estavam ainda formalmente no castelo medieval.
Vila, cidade, sede de comarca e de bispado em menos de trinta anos, foram significativas mudanças que exponenciaram o crescimento desta terra, atingindo ponto alto de prestígio, riqueza e desenvolvimento na segunda metade de setecentos. Depois vieram os tempos conturbados da guerra peninsular, e Penafiel esteve sucessivamente ocupada pelos exércitos francês e luso-britânico, e da guerra civil. Recomposta destes pesadelos, a cidade (cerca de 10% do total da população) e o seu município, agora com a composição territorial definitiva, entrarão, na segunda metade de oitocentos, em novo período de crescimento, assumindo as promessas do progresso fontista. É nesta fase que se fixa o urbanismo que ainda hoje reconhecemos nas ruas, avenidas e praças, com todas as peças prestigiantes como o quartel militar, o cemitério, o jardim público, a praça do mercado, o matadouro, a casa das repartições, o teatro, as escolas, etc., e mesmo o início de um proeminente santuário sobranceiro à cidade, com o seu parque.
GASTRONOMIA TRADICIONAL DE PENAFIEL
Quando falamos em termos de gastronomia tradicional estamos evidentemente a falar de um conjunto de influências regionais que marcam de forma inequívoca a gastronomia local. Por outro lado, quando falamos de sabores e de pratos típicos estamos também a falar de percursos evolutivos, de transformações diacrónicas que vão aliando a tradição à inovação, e que se aliam a processos de aprendizagem e educativos, porque o gosto e o paladar também se educam, já que não existem gourmets inatos…
A alimentação é profundamente marcada pelo calendário agrícola e pelo calendário religioso, porque as festas, feiras e romarias influenciam a gastronomia tradicional e a elaboração dos pratos típicos. Por isso mesmo, a confecção, os ingredientes e os sabores diferem conforme a época do ano e reservam-se os pratos mais elaborados e os paladares mais ricos para as principais festas do calendário religioso.
Em Penafiel, os pratos mais típicos são o cabrito ou o anho assado com arroz de forno, o cozido, o sável frito ou de escabeche, e ainda a lampreia, à bordaleza ou em arroz de sangue, tudo bem acompanhado com o excelente vinho verde da região.
Na doçaria, são os doces de feira os que mais se consomem, sobretudo os bolinhos de amor, o pão-de-ló, o pão podre, os rosquilhos, os brinquedos ou os doces de S. Gonçalo. A originalidade doceira de Penafiel é, no entanto, mais bem representada pela sopa seca, o sarrabulho doce e pelas tortas de S. Martinho, muito apreciados por naturais e visitantes, sendo as últimas exclusivas de Penafiel.
Ao longo do ano, como vimos, as ementas e a dieta alimentar diferem conforme a época. Na primeira das festas religiosas, o Natal, cuja véspera recai ainda em período de jejum, também em Penafiel a preferência vai para o bacalhau cozido, acompanhado de batata, ovos, cenoura, couve tronchuda e grelos frescos, que é a época deles. Esta ementa é também aquela que se prepara para a véspera do Dia de Reis.
Já no dia de Natal se podem fazer dois ou mais pratos. Dominam as carnes e os enchidos que compõem o tradicional cozido, desde o presunto e orelha ao salpicão e chouriços, às carnes de vaca e de porco, acompanhados pelo arroz de forno e grelos. A água da cozedura das carnes é aproveitada tanto para cozer os legumes, como para o caldo do arroz, e dá-se-lhe assim gosto a enchidos e fumados dá um toque refinado, sobretudo se for feito em forno de lenha. Como segundo prato temos o capão, que se escolheu e capou em fins de Setembro, ou o lombo de porco assado, com batata e grelos salteados em azeite, não se dispensando, como sempre, a companhia do arroz de forno. A refeição completa-se com a doçaria tradicional, comum ao Norte do país: as rabanadas (de água, leite ou vinho), os bolinhos de bolina, o leite-creme, os mexidos, a aletria,…
Chegado o Carnaval, novamente o cozido volta à mesa e, no outro dia, o feijão branco com orelheira, salpicão, chouriço, costelas de porco e carne entremeada, muito típico de Urrô, sendo normalmente a sobremesa um leite creme ou aletria.
O início da Primavera e a chegada da Páscoa vêm mudar as ementas dos dias de festa, entrando em linha de conta dois factores: a abstinência do consumo de carnes e a época de desova do sável e da lampreia, característicos da zona ribeirinha do Douro e Tâmega, sobretudo de Entre-os-Rios e Rio Mau.
O sável é especialmente apreciado se for preparado em escabeche, mas também se consome frito e grelhado. Já a lampreia é estufada, podendo ser também ser servida em arroz, juntando-se-lhe, da qualquer das formas, o sangue avinagrado. Hoje é já muito difícil encontrar sável e lampreia devido à construção das barragens, nomeadamente a de Crestuma, que impede a subida do rio por parte destas duas espécies, o que a faz atingir preços bastante elevados, sendo na maior parte dos casos importadas de outras zonas do país, como do rio Lima, por exemplo, e até mesmo do estrangeiro.
O próprio pão reflecte a festa religiosa que se vive, pois é na Páscoa que se fazem, em pão de trigo, as conhecidas “pitinhas” que os padrinhos oferecem como folar aos afilhados.
Por alturas de Abril, ao cabrito ou anho assado com batatas e arroz de forno, como que a abrir o apetite para a festa do Corpo de Deus, antecede uma sopa de castanhas, já “piladas”, que se prepara com presunto e feijão branco, tudo bem cozido e praticamente em creme, dando-se um toque final ao paladar com uma folha de hortelã.
A doçaria completa as ementas pascais, especialmente o pão podre e pão-de-ló, que pode ser seco, à maneira de Margaride, ou húmido, tal como ainda hoje é feito em Penafiel, em Entre-os-Rios ou em Rio de Moinhos.
No final da Primavera, Penafiel entra em ebulição com a festa do Corpo de Deus, que é também a festa do carneiro, ementa obrigatória no dia de Corpus Christi. A importância do consumo do carneiro nesta época está atestada pelas notícias que temos, do séc. XIX, quando na véspera se realizava a feira dos carneiros, onde estes eram mortos e esfolados às centenas para abastecer as casas particulares e as tabernas da cidade.
Também por esta altura se institui o costume da Festa da Toura ou do Carneirinho, tradição que se mantém até aos nossos dias, segundo a qual os estudantes devem oferecer aos seus mestres um carneiro, engalanado e conduzido num vistoso cortejo.
Em pleno Verão, a cidade volta a alegrar-se com a festa de S. Bartolomeu, e a feira das cebolas, onde a população se abastece, para alguns meses, não só de cebolas, mas também de melões de “casca de carvalho”. Como é tempo de muito e bom tomate, este chega também à mesa, em arroz malandro ou farinha de pau de tomate com sardinhas.
E é na época de vindimas, pelo mês de Outubro, que se come um dos mais típicos doces do concelho: a sopa seca, que consiste em fatias de pão embebidos em calda fervida de água com açúcar, canela e vinho do Porto, tudo disposto num alguidar, entremeando com folhas de hortelã e polvilhado com açúcar e canela, sendo depois levado ao forno a gratinar. A sopa seca é a sobremesa tradicional do fim das vindimas, embora também se faça como sobremesa de Natal, sendo parte obrigatória da ementa. Existe mesmo a Festa da Sopa Seca, que se realiza em Duas Igrejas, no dia de N. Sr.ª do Rosário (1º Domingo de Outubro). Outras freguesias também celebram os dias santos com esta iguaria, como Marecos, no dia de St.º André, ou Lagares, no dia de N. Sr.ª da Lapa.
A grande feira de S. Martinho é o exemplo acabado da abundância do final do Outono. É na feira que se provam o vinho novo e as castanhas, e onde mais se comercializam os doces, que desde o séc. XVI eram objecto de venda ambulante nas nossas cidades.
Em todas as feiras e festas se vendiam estes mimos cobertos por uma espessa camada de açúcar branco, sob variadas formas: os Bolinhos de Amor, os rosquilhos, as cavacas, e outros, alguns com formas de animais, como o sardão e a passarinha, ou os doces fálicos de S. Gonçalo, que continham uma mensagem explícita, trocada entre namorados. A esta doçaria ambulante junta-se ainda hoje o pão podre, o doce da Teixeira, a fogaça e outros doces de carácter regional alargado e que se podem encontrar em quase todo o país, em especial no Norte.
O fim do S. Martinho e o mês de Dezembro é também a época das matanças do porco, dos rojões e do sarrabulho, e da preparação do fumeiro para o Inverno, especialmente para o Natal, e ainda das papas de abóbora e da marmelada fresca.
É por esta altura da matança que se prepara um doce de sabor particular, do qual infelizmente se começa a perder a tradição, e que é o sarrabulho doce, que consiste numa espécie de mexidos minhotos, preparado com sangue do porco e banha, cozidos com pão, mel, canela, limão e vinho do Porto.
No entanto, o que melhor caracteriza esta época da grande feira e da principal festa do concelho são as conhecidas Tortas de S. Martinho, ou Tortas de Basto, em que se conjuga um documentado gosto agri-doce à boa maneira do séc. XVII, e que é afinal, tantos séculos depois, aquele que caracteriza estas tortas, feitas de massa fina recheada com picado de carne temperado com noz moscada, e polvilhadas com açúcar e canela, que vos convidamos a provar e saborear, na companhia de um vinho igualmente genuíno.
FONTE: C.M. Penafiel e Wikipedia
3 Comentários
Sara
11 anos atrásQue orgulho, da minha pequena grande cidade 🙂
Juliana Lopes
14 anos atrásJorge,
sou de Belo Horizonte e
estou fazendo uma pesquisa sobre meus bisavós que vieram de Penafiel.
Tem algum email que posso me comunicar com você?
Att.
Juliana
Jorge Cipriano
14 anos atrásCom certeza, no meu perfil estão lá todos os meus contactos. No entanto recomendo procurar primeiro em entidades locais. sou apenas um bloguer amador, pelo que pouco poderei ajudar nesse campo. Cumprimentos. Jorge