História

 
Cartaxo através dos tempos
LENDA:

Conta-nos a História, em particular, através de uma tradição oral, evidentemente muito corrompida, exagerada e subvertida pelo passar dos tempos, das épocas e das gentes que nos idos de duzentos, em terras do que hoje se situa a Cidade do Cartaxo, algo de mágico aconteceu, assim…era uma vez, uma rainha, pura, bela e santa, que, em busca de paz de espirito e contacto com o Ser Divino, por aqui passou, pelas terras do “barrio”…onde, terá repousado e saciado a sua sede, num local onde encontrou sombra e uma fonte…

Estando em repouso, deparou-se com um bonito chilreio que ecoava pelos ares em seu redor, tendo observado melhor terá reparado que para além de cantarem de forma linda, estas criaturas voadoras eram também em si lindos, formosos e galantes. O seu voo era inspirador de vida e doçura, sendo sempre acompanhados pela harmonia e melodiosidade do seu canto, como se de um enamoramento se tratasse ou então…de uma corte a tão distinta, ilustre e formosa donzela…

A rainha, tendo avistado uns camponeses que se dirigiam para ali…provavelmente em busca da frescura das águas correntes que ali existiam ou das sombras vivas que refrescavam o local, indagou junto deles…:
” Senhores, senhores…perdoai-me!…mas que canto lindo e formoso é este que ecoa pelos ares fora…que enamoramento é este que soa doce em meu ouvir…que criaturas são estas, que espalham beleza e cor em cada movimento de bico, em cada abanar de asa…dizei-me senhores…sabeis quem canta esta canção de graça!?…”
Terá então sido olhada por aquele grupo de homens da labuta das terras do campo, onde alguns daqueles camponeses, lhe responderam com igual gentileza e graciosidade…”São Cartaxos Senhora…estes pássaros…as criaturas como lhe chamou, chamam-se cartaxos…são lindos cartaxos…ou cartaxinhos…e são de facto formosos…”

A rainha, possuidora de enorme sensibilidade e formosura, agradeceu, tendo ainda procurado resposta à sua curiosidade, tentando saber junto daquele grupo de camponeses, o nome daquele local :”Senhores…dizei-me…qual é a graça deste lugar…em que me sinto tão envolvida…em que me consolo tão bem com esta sombra…com esta água fresca, límpida e cristalina, em que sou presenteada com este cantar tão belo…”.

Uma vez mais alguns daqueles camponeses falaram, usando de graciosidade e leveza até pouco comuns a gente daqueles ofícios:
“…aqui é o Lugar da Fonte…Senhora”… A rainha….usando então da sua graciosidade, sensibilidade e sobretudo do seu poder afirmou junto de todos quantos pudessem escutar :” …Pela Graça de Deus, pelo poder que me foi atribuído, então…que este Lugar da Fonte se passe a chamar de agora em diante Lugar de Cartaxo, e que seja assim para toda a eternidade….e que todas as gentes saibam…e assim se faça de acordo com as leis dos homens sob a presença de meu marido o muy nobre el-rey Dom Dinis e de acordo com as regras de Deus Nosso Senhor Todo-o-Poderoso, que ordena sobre o Céu e sobre a Terra…” .

Tendo dito isto, partiu, não sem antes dizer:…Que a todos que interessar mandem dizer que fui eu…a muy nobre senhora, rainha Donna Isabel, quem deu estas ordens…in dei nominne!”…e lá foi, prosseguindo o seu caminho em direcção ao Lugar de Almoster demandando na sua peregrinação o mosteiro aí existente….o Mosteiro de Almoster. A Rainha de que aqui se fala não é outra se não a Rainha Donna Isabel, também conhecida como Rainha Santa, a protectora dos pobres e desafortunados.

A história e o estudo da evolução dos homens ensina-nos a desconfiar deste tipo de tradição oral, todavia é também um dos ensinamentos da ciência histórica, dever aceitar todos os contributos existentes que contribuam para a resolução de dúvidas e de problemas que possam existir.

Há poucos estudos ainda feitos sobre esta suposta passagem da Rainha Donna Isabel, também conhecida como Rainha Santa Isabel, indo em peregrinação na direcção ao seu lugar de repouso espiritual, no Mosteiro de Almoster, todavia este contributo perpetuado pela via oralizante, sendo ligado a outros testemunhos que fazem referência à presença desta monarca no Mosteiro de Almoster por idos de duzentos, ainda no dealbar da monarquia e da História de Portugal, encontro algum fundo de veracidade, que certamente o estudo dos homens e o passar dos tempos hão-de acabar por desvendar.

Artigo de 1937:

 

O Cartaxo já existia antes da fundação da nacionalidade portuguesa. Foi uma das muitas povoações vítimas das lutas entre muçulmanos e os cristãos hispano-godos, principalmente por estar próximo de Santarém, pois a posse desta praça foi por largo tempo disputada por cristãos e mouros. Quando em 1093 Afonso VI, rei de Leão e Castela, veio atacar e tomar Santarém, não só arruinou as muralhas desta antiga cidade, como arrasou grande número de povoações circunvizinhas. Em 1111 voltaram os mouros a atacar Santarém, de que se apoderaram.

Em 1139, sendo vali de Santarém Esmar, D. Afonso Henriques para se vingar da ofensa feita por aquele vali a Leiria, cujo castelo acometera aprisionando a guarnição, veio devastar os arredores de Santarém e travou combate nas Chães de Ourique com as forças de Esmar, que tendo sido derrotado, viu-se obrigado a acolher-se precipitadamente àquela praça abandonando até a sua barraca de Campanha, onde foram encontrados vários objectos de valor. D. Afonso contentou-se com as devastações feitas e com os despojos obtidos; nem as suas forças depois da batalha lhe permitiam ir pôr cerco a Santarém.

O Cartaxo, que dos mouros aprendera a melhor cultivar as videiras e as oliveiras, foi uma das vítimas desta luta. Não admira, pois, que se encontrasse arruinado no tempo de D. Sancho II, chamando-se-lhe um “fogo morto”. Este rei, porém julgando indispensável repovoar o lugar do Cartaxo (sic) e o seu próximo vizinho, o Cartaxinho (hoje Ribeira do Cartaxo) concedeu, para isso, esta sua terra reguengueira a Pedro Pacheco, descendente de Fernão Jeremias – O Pacheco – , cavaleiro de Saboya, que viera para a Península com o Conde D. Henrique. Devia porém Pedro Pacheco obrigar-se a construir neste lugar uma Albergaria para albergar os pobres, e, marcando então aquele rei, os limites daquele lugar do Cartaxo. Como o dito Pacheco, nem os seus descendentes, tivessem construído a referida Albergaria, enviaram os pobradores daquele lugar a el-rei D. Diniz uma cópia da carta dada por D. Sancho, carta esta que existe no Livro 3º da Chancelaria de el-rei D.Diniz, a fls.82, e solicitando do mesmo rei que lhes desse uma nova carta de pobramento (povoamento). Satisfez el-rei D. Diniz o pedido, dando uma nova carta e conformando-se com os limites que tinham sido marcados por el-rei seu tio.

Esta Carta de foral, datada de Leiria a 21 de Março de 1312, foi dada por D. Diniz a um certo número de Homens Bons para no lugar do Cartaxo (sic) fazerem uma pobra (povoação) e cultivarem o terreno, impondo-lhes como condição darem a el-rei em cada ano um oitavo do pão, vinho e linho, estando o pão na eira o vinho no lagar e o linho no tendal; e só dos terrenos incultos é que cultivassem, só passados três anos, ou cinco sendo das vinhas exigido o pagamento do fôro. Deviam os pobradores que viessem construir boas causas e bons currais. As malfeitorias contra os pobradores seriam punidas com 6.000 soldos, além da reparação em dobro pelo prejuízo causado. Daqui se vê quais eram os produtos mais importantes que se exigiam: pão, vinho e linho.

Na carta de foral foram outorgados o fôro “pera todo o sempre” a Joham Cavalleiro, a Lourenço Paes, a Vasco Giraldes, a Vicente Gil, a Miguel Domingues do Ardel (Arrudel), a Gil Fernandes, a Affonso Fernandes, a Lourenço Mendes, a Joham Afonso, a Domingos Vicente, a Joham Paes, a Vicente Paes, a Joham Parceiro de Val da Pinta, a Payo Gpnçalves, a Payo Vicente do Ardel, a Affonso Pires, e a todos os seus sucessores. São pois 20 Homens Bons a quem se fez aquela mercê. Como nesta carta não se fizesse referência aos limites do Lugar, os seus habitantes solicitavam que novamente se declarasse essa marcação, o que foi concedido pela carta dada em Lisboa aos 23 de Maio de 1313. Todas aquelas cartas foram depois confirmadas por D. João I (27 de Junho de 1387) e por el-rei D. Manuel (3 de Novembro de 1496).

Para assegurar a permanência dos repovoadores do Cartaxo e chamar mais, el-rei D. Fernando I dirigiu aos Alvazis de Santarém e a todas as outras justiças uma carta pela qual fez mercê a todos os moradores do Cartaxo de serem escusados de irem servir nas fronteiras em tempo de guerra. Esta concessão foi obtida por intermédio de João Gonçalves (falcoeiro-mor de el-rei) e foi expedida de Santarém aos 5 de Maio de 1370 sendo depois confirmada por el-rei D.João I (25 de Julho de 1387) e por D. Manuel (3 de Novembro). – Concedera D.João I a Lourenço Pires, seu caçador-mór, a mercê de todos os direitos e oitavos do lugar do cartaxo, e este nobre vassalo fizera todos os esforços para aumentar a população do Lugar chamando aí novos moradores que fizeram importantes benfeitorias; mas como as Justiças de Santarém tivessem obrigado alguns desses moradores a irem assoldar-se para aquela vila, desfalcando assim o número de braços para o cultivo das terras, Lourenço Pires fez sentir a el-rei que havia nisso grandes prejuízos, pois muitos dos habitantes queriam abandonar o Lugar. El-rei, tomando em conta esta exposição, mandou que os povoadores do Cartaxo não pudessem ser obrigados a ir assoldadar-se para Santarém.

Esta carta foi dada em Évora a 30 de Dezembro de 1417. Foi depois confirmada por el-rei D. Manuel aos 4 de Novembro de 1496. Muitas vezes eram os habitantes do Cartaxo violentados a dar pousada, ou a fornecer roupas e camas aos diversos fidalgos e outras pessoas do seu serviço no que muito eram prejudicados. Ainda as justiças de Santarém e vários fidalgos obrigavam os habitantes do Cartaxo a fornecer-lhes solípedes, no que eram muito agravados; e em vista de uma exposição que foi dirigida a el-rei D.Duarte, este pela sua cartadada em Muja a 2 de Abril de 1483, determinou que a tal não pudessem ser obrigados os habitantes do Cartaxo, e confirmou-lhes todas as liberdades e mercês concedidas e confirmadas pelos reis anteriores.

Apesar de todos estes previlégios, parece que não eram atacadas as resoluções régias por isso que no tempo de D.Afonso V, voltam os povoadores do “Quartaixo” (sic) a queixar-se que os Ricos-Homens, cavaleiros, Donas, Escudeiros e outras gentes, lhes tiravam vilentamente o pão, o vinho, a cevada, as carnes, a lenha, as galinhas e outras cousas, pagando-lhes por menos de metade do seu valor, D.Afonso V determina então que tudo o que os povos pudessem vender, fosse pelo seu justo valor. Carta esta datada em Santarém a 10 de Fevereiro de 1436, e confirmada depois por D.João II e por D.Manuel. Também o rei D.Afonso V já tinha atendido às reclamações dos Cartaxenses contra as violências e extorsões feitas por Gonçalo Galvão, juiz da vila de Santarém, mandando que este juiz restituisse tudo o que extorquira (carta dada em Almeirim a 6 de Janeiro de 1458); e ainda D.Afonso se vira obrigado a expedir uma carta, dada em Évora a 14 de Novembro de 1440, confirmando todos os previlégios e mercês dados e outorgados pelos reis seus sucessores.

Esta carta a mandou el-rei pelos Doutores Ruy Gomes e Pero Lobato, este último já com propriedades no Cartaxo. A el-rei D.João III deveu o povo do Lugar do Cartaxo (sic) licença para poder fazer bôdo em cada ano nos dias de Corpo de Deus, de São João, de São Sebastião, de Santa Ana e pelo Espírito Santo, devendo-se tirar de todas as esmolas 1/4 para os ornamentos dos altares e fábricas das respectivas igrejas. Esta carta foi expedida de Almeirim a 17 de Maio de 1534. Durante o domínio dos Filipes recebeu também o Cartaxo algumas mercês. Assim, Filipe I concedeu que houvesse no Cartaxo açougue separado de Santarém, vendendo-se carnes pelos preços por que se vendiam naquela vila (Carta de 20 de Novembro de 1592). Filipe II mandou publicar um alvará em que se mandava proceder à arrematação em cada ano do verde e da almotaçaria, sendo 1/3 para el-rei e 2/3 para obras públicas do dito lugar, ficando por isso a Câmara de Santarém desobrigada de as pagar (alvará feito em Lisboa por Pedro de Seixas a 2 de Maio de 1603).

Terminado o governo dos reis intrusos e tendo sido proclamado Rei D.João IV, mandou este publicar um alvará, concedendo que se fizesse uma feira no 3º domingo de Agosto de cada ano no sítio do Santo Cristo. Esta feira foi depois transferida (14 de Outubro de 1835) para o Largo do antigo Convento de S.Francisco. Realizou-se enfim uma grande aspiração dos Cartaxenses: a elevação do Lugar a vila. Esta mercê foi dada por D.João VI pelo alvará de 10 de Dezembro de 1815, expedido do Rio de Janeiro, onde estava a Côrte.

Desta vez foram baldados todos os esforços da vizinha vila para evitar uma tal resolução. Para esta história deve ter contribuido a influência dos Lobatos que estavam na Côrte, pois desde 1802, em que fôra solicitada aquela mercê pelos habitantes do Cartaxo, não tivera deferimento. Parece-nos, porém, que tal mercê fora já concedida pelo rei D.João IV. De facto, este rei no seu testamento de 2 de Novembro de 1656 declara que D.Maria Josefa de Stª Teresa era sua filha que tivera, fora do matrimónio, de uma senhora de sangue limpo, e a ela faz mercê da Comenda maior de S.Tiago e das vilas de Torres Vedras e Colares, e dos lugares de Azinhaga e Cartaxo, que faz vilas, com jurisdição à parte, sujeitas à Lei Mental. Esta doação foi confirmada por el-rei D.Afonso VI (18 de Novembro do mesmo ano) e por el-rei D.PedroII. Aquela Infanta professou no Convento de Stª Tereza de Jesus, de Carnide, e faleceu a 7 de Fevereiro de 1693. Portanto, desde 1656 que o Cartaxo tinha honras de Vila.

In: Boletim Oficial das Festas do 1º de Maio do Cartaxo, Ano de 1937. Artigo do General Victoriano José César.

FONTE: C.M. Cartaxo