Sendo a Cidade da Madalena eleita para o ano 2017 como Cidade do Vinho, faz todo o sentido dar a conhecer ao leitor o porquê das Vinhas do Pico serem consideradas como Património Mundial da Humanidade pela UNESCO!
A Paisagem da Cultura da Vinha da Ilha do Pico é um sítio classificado pela UNESCO compreendendo uma área de 987 hectares na ilha do Pico, a segunda maior do arquipélago dos Açores.
A zona classificada inclui um notável padrão de muros lineares paralelos e perpendiculares à linha de costa rochosa. Os muros foram construídos para protecção dos milhares de pequenos e contíguos lotes rectangulares (designados currais) da água do mar e do vento.
Registos desta vinicultura, cujas origens datam ao século XV, manifestam-se na extraordinária colecção existente em casas particulares, solares do início do século XIX, adegas, igrejas e portos. A belíssima paisagem construída pelo Homem neste local é remanescente de uma prática antiga muito mais vasta na região açoriana.
Breve resenha histórica sobre o plantio e cultivo da vinha e a produção de vinho verdelho do Pico.
Falar sobre a história do vinho do Pico leva-nos necessariamente a recuar ao século XV, mais propriamente ao ano de 1460, data em que se iniciou o povoamento da ilha do Pico.
Foi concedido a Álvaro Ornelas, capitão donatário da ilha da Madeira, a carta de capitão donatário da ilha do Pico, cabendo a este a responsabilidade do seu povoamento, no entanto, nunca demonstrou grande interesse pela ilha, sabendo da inóspicidade de grande parte dela e por se encontrar bem instalado na ilha da Madeira.
Embora tenha havido duas abordagens à ilha, uma pelo lado sul, no lugar hoje chamado de Lajes em 1460 e outra pelo lado Norte, no lugar hoje chamado de São Roque em 1470, a parte oeste da ilha continuou totalmente desabitada, pois na sua maioria encontrava-se coberta por um manto de lava onde não existia qualquer área de terra cultivável, nem corria água que permitisse abastecer quem lá se quisesse instalar, pois entre o lugar hoje chamado de São Mateus e o lugar hoje chamado Santa Luzia não corria qualquer ribeira que permitisse a captação de água.
O capitão donatário da ilha do Faial, chefiando uma comunidade Flamenga devidamente organizada, “Jos Dutra”, desejoso de ampliar a sua esfera de domínio, vai junto da coroa Portuguesa pedir carta de capitão donatário para a ilha do Pico, o que lhe foi concedida em 1482, tornando-se assim, no segundo capitão donatário da ilha do Pico.
“Jos Dutra” organiza a partida do primeiro grupo de povoadores, que aborda o Pico pelo lado Sul no lugar hoje chamado de São Mateus, por ser o lugar mais próximo do Faial em que existia uma ribeira que corria agua, havendo nas proximidades terras passíveis de serem cultivadas.
Ligando agora o povoamento ao cultivo da vinha, reza a historia que foi Frei Pedro Gigante, primeiro Pároco da primeira comunidade da ilha, que plantou as primeiras videiras no lugar hoje chamado de Silveira, vindas da Madeira dizem uns, ou da ilha de Chipre dizem outros.
Há relatos que dizem que esta plantação de vinhas se estendeu para sul no lugar hoje chamado de Santa Barbara e a norte no lugar hoje chamado de Prainha do Norte.
Mas, é sem duvida a comunidade vinda do Faial que iniciou o verdadeiro ciclo do vinho verdelho do Pico, tentando plantar bacelos de vinha nas brechas das rochas que constituíam o manto de lava existente, tendo obtido bons resultados, pois a existência de alguma terra por debaixo do manto e a infiltração das aguas das chuvas permitiram o bom desenvolvimento dos bacelos, formando-se boas parreiras de vinha e produzindo uvas de boa qualidade.
Perante esta experiência positiva o homem do Pico dá inicio a um trabalho árduo e à força de barra de ferro e marrões, rompe o manto de lava, abre covas, coloca terra e planta vinha.
As uvas obtidas são de grande qualidade e o vinho produzido, alem de ser muito bom, possuía um grande teor alcoólico.
O lugar era seco, bem batido pelo sol, que simultaneamente aquecia o manto de lava, o qual durante a noite libertava um bafo quente, criando as condições óptimas para o amadurecimento das uvas.
Face a estas realidades a comunidade Faialense começa a investir fortemente na produção do vinho, adquirindo a maioria dos terrenos da frente ocidental da ilha, numa extensão de cerca de 20 km, desde da Prainha do Galeão a Santo António, chegando a atingir 5 km para o interior, numa
área superior a 100 km quadrados.
Será talvez interessante referir a existência de uma postura municipal, que proibia o avanço da plantação de vinhas mais para o interior, por duas ordens de razões:
- Uma porque o vinho aí produzido era de menor qualidade;
- A outra e mais importante, era de preservar a área para a existência de lenhas e matos que constituíam o único combustível para as populações, não só do Pico como também de parte da ilha do Faial.
Dado que a plantação das vinhas eram feitas apartir da costa, parte dela desabrigada, estas passaram a estar sujeitas ao rossio de agua salgada vinda do mar conforme a orientação dos ventos, queimando os rebentos das videiras e destruindo totalmente as uvas nascidas, esta situação ocorria
entre os meses de Abril e Junho.
Face a esta realidade e também à necessidade de arrumar a pedra retirada, quando à abertura das covas para a plantação dos bacelos das videiras, o homem do Pico mete ombros a outra tarefa gigantesca, que consistiu na construção de muros de pedra solta, com cerca de um metro de altura,
constituindo um verdadeiro rendilhado de paredes.
Tendo em conta a orientação predominante dos rossios do mar foram-se construindo paredes com cerca de quarenta a cinquenta metros de comprido, paralelas umas às outras, distando entre si dois a três metros, terminando todas junto a uma vereda transversal a que se chamava servidão.
A área compreendida entre duas servidões paralelas e contíguas, chamava-se “Jarrão”.
Em cada canada foram construídos muros transversais chamados “traveses” que distavam entre si cinco a seis metros e em que de um dos lados não chegava à parede da canada, dando lugar a uma passagem a que se chamava “bocaina” e eram colocadas normalmente em posições alternadas para maior protecção dos ventos.
O espaço na canada entre dois “traveses” contíguos chamava-se curral.
Todo este trabalho gigantesco foi dando os seus frutos e conta a historia que um século depois dos primeiros povoadores vindos do Faial se terem fixado no Pico, com as vinhas já plantadas produziam-se mais de duas mil pipas de vinho por ano, isto no final do século XVI.
A produção do vinho foi crescendo, ano após ano, havendo relatos escritos por elementos do clero que afirmaram, talvez um pouco exageradamente, que a produção de vinho do Pico chegou a atingir trinta mil pipas, tornando-se assim na maior fonte de rendimento, tanto da ilha do Pico como da ilha do Faial.
É nesta época áurea que os proprietários das vinhas, quase todos da ilha do Faial, constroem os seus solares junto à costa, verdadeiras casas de veraneio, com os respectivos armazéns e lagares e em alguns casos também com alambiques.
Foram construídos também em todos estes solares poços de maré para fazer face à falta de água.
Em outros casos construíram-se apenas adegas com os respectivos armazéns, mas todas estavam dotadas dos seus poços de maré.
Alias, é interessante referir que também foram construídos poços de maré em muitos lugares públicos, para permitir à população o abastecimento de agua, nomeadamente no verão, o que não era tarefa fácil, dado que as casas da população rural situavam-se acima das áreas das vinhas e portanto um pouco distante da costa onde se situavam os poços públicos.
É também neste período áureo da produção de vinho, que se construiu ou se improvisou pequenos portos ou simples embarcadouros, junto dos locais onde o vinho era produzido e em alguns casos para se poder chegar a esses pequenos portos foi necessário aplanar as rochas para poder levar o
vinho até aos portos ou embarcadouros, a estas construções chamaram-lhes “rola-pipas”.
A quase totalidade dos vinhos produzidos na fronteira do Pico, uma vez feitos, eram transportados para a ilha do Faial em pequenos barcos, apartir dos portos e embarcadouros existentes, normalmente até ao fim do verão, aproveitando a época de mar manso e aí ficavam armazenados até a sua exportação para várias partes do mundo, como sendo o norte da Europa, as Índias Ocidentais, a América do Norte ou o Brasil.
Uma das casas comerciais do Faial mais importante na exportação do vinho do Pico, foi a casa ”De Sobradello & co” e no século XIX também a casa Dabney foi um grande exportador do vinho do Pico e foi a casa que mais contribuiu para que o vinho fosse pago a um preço mais justo para o produtor.
Chegando-se a meados do século XIX, mais precisamente no ano de 1852, começou a aparecer nas videiras um pó branco que cobria totalmente os bagos das uvas, desde a floração até à maturação, destruindo totalmente as uvas e que rapidamente se alastrou a todas as vinhas.
Com o aparecimento desta moléstia a produção de vinho caiu drasticamente, passando a produção dos milhares de pipas para cerca de uma centena.
Foi o descalabro total, as casa ricas do Faial que tinham como principal fonte de rendimento a produção de vinho, viram-se obrigadas a largar as vinhas, vendendo-as ao desbarato e assim no Pico passou-se do pequeno latifúndio para a proliferação do minifúndio.
Também em consequência desta situação, os trabalhadores rurais do Pico perderam as suas fontes de rendimento e deixaram de ter dinheiro ou outros quaisquer proveitos, para comprar os cereais necessários para a sua alimentação, que na sua maioria provinham da ilha do Faial.
Mas o homem de Pico nunca foi de baixar os braços e empreendeu uma nova epopeia, a de desmanchar terras, partindo e separando a pedra do pó da terra, fazendo assim pequenas hortas e serrados, onde passou a cultivar o milho, as batatas, os inhames, etc.
Amontoou a pedra de forma organizada construindo enormes “maroiços” que são autênticos monumentos.
Vinte anos após o aparecimento do “oídium” o senhor Manuel Maria da Terra Brum, filho daquele que foi um dos maiores vinhateiros da ilha do Pico, traz para a ilha uma casta de uvas proveniente da América, chamada”Isabel” e que havia de produzir o conhecido vinho de cheiro.
Mas quando se julgava que a crise tinha sido ultrapassada, cerca de três anos depois disparou nova praga, agora também na vinha Isabel, a que se chamou “Filoxera”, que destruiu toda a produção deste tipo de uva.
Face a mais esta contrariedade o homem do Pico começou a ficar sem forças para lutar e então começou a emigrar em massa para a América e para o Brasil, mas os que ficaram continuaram a trabalhar e sendo encontrado o tratamento adequado para as pragas que destruíram as vinhas, o homem do Pico lança-se novamente no plantio da vinha, com predominância para a chamada vinha Isabel, que produzia uva em maior quantidade e com menores custos, ficando o velho verdelho reduzido às zonas mais privilegiadas para a produção deste tipo de uva, reforçando essas zonas.
com vinhas de outras castas como sendo o “Arinto”, o “Boal ou Fernão Pires” e o “Terrantez”, no entanto a produção do vinho chamado verdelho não voltou a ultrapassar algumas centenas de pipas.
De então para cá, o vinho tipo verdelho tem vindo a baixar de produção, devido fundamentalmente ao gradual e significativo aumento dos factores de produção, nomeadamente a mão de obra, não só por causa do seu custo, mas também por necessitar de maior quantidade de mão de obra.
Para tentar minorar esta realidade e incentivar os produtores de vinho verdelho a manter as suas explorações era necessário procurar melhorar o circuito de produção, comercialização e nomeadamente de exportação.
Foi com estes objectivos que um grupo de vinhateiros se reuniu, e entre eles muitos familiares e tentam organizar-se em cooperativa.
Foi assim que nasceu a Cooperativa Vitivinícola da Ilha do Pico na década de cinquenta.
A organização da cooperativa encontrou alguns reveses, não só na fase organizativa mas principalmente na fase de construção, dada a dificuldade de encontrar subsídios para a sua construção, pois foi só em 1961 que a adega cooperativa recebeu as primeiras uvas, mantendo-se até hoje em plena laboração, com uma actividade significativa, muito embora a produção do vinho chamado verdelho seja mínima e a qualidade bem diferente daquela que tinha o vinho que era antigamente produzido.
Fontes: Revista Blue Wine, Câmaras Municipais da Madalena, São Roque do Pico, Lajes do Pico, Azores Wine Company, Curral de Atlantis e Picowines.
2 Comentários
Roberto
8 anos atrásMuito bom este artigo do Sr. Jorge. Comecei a pesquisar sobre as uvas verdelho porque me interessei em saber que o vinho Czar era produzindo nestas ilhas vulcânicas dos Açores serviam aos Romanov no século xlx. Tenho até interesse de comprar e provar esta uva verdelho. Parabéns pelo artigo.
João Santos Alves
8 anos atrásViva, agradecidos pelo comentário, é muito importante para a equipa do Clube de Vinhos Portugueses o feedback dos nossos seguidores. Tenha uma boa semana e bons vinhos!