É de Nietzsche o célebre aforismo: “Há sempre um pouco de razão na loucura e de loucura na razão”.
E é a Nietzsche que iremos buscar os instrumentos de análise do irracionalismo tão presente na cultura contemporânea. É a Nietzsche que iremos buscar inteligibilidade para compreender o espírito dionisíaco dos dias de hoje – a embriaguez sublime que potencia a criação artística, mesmo a nossa mais recente, a dos nossos idos.
O contributo maior do pensamento estético nietzschiano reside na maravilhosa intuição revelada pela sua psicologia psico-estética – o apolíneo versus o dionisíaco.
Apolo, o racional individual, sereno e equilibrado, Diónysus, o irracional colectivo, exaltado e ébrio – os dois polos estéticos de cuja síntese nasceu a tragédia grega e que está na origem e génese de toda a arte plena.
Do mundo exaltante da embriaguez da vida surge, pois, a matéria prima indispensável, que será esclarecida e organizada pelas formas serenas da intuição estética.
Mas atenção, a embriaguez tem de estar lá, no início.
O apogeu da tragédia grega será atingido por Sófocles, pelo exorcismo ritualista dos fantasmas da “alma” grega. A poética será definida como “a arte de dizer a verdade do sonhar” – a arte da verdade instintiva revelada pela embriaguez que, por exaltante paradoxo, se torna lucidez. A decadência da tragédia será imputada ao cego dogmatismo do pensamento platónico que fará prevalecer na génese da obra bela, (tornado omnipotente e sobredominante), o “apolíneo” da “razão racionadora” sobre a “expontaneidade” instintiva do dionisíaco, perdendo-se assim o equilíbrio miraculoso entre ratione e anima, entre pensar e sentir, entre ordem e liberdade, fazendo o teatro grego perder-se nos solenes, frios e estéreis cânones da época helenística.
O Esquema de Nietzsche, no seu especifismo grego, torna-se lato e geral, e referirá o equilíbrio tenso e instável entre vida e artifício patente em toda a plena obra de arte. O dionisíaco, polo inicial e determinante, em última instância, da pujança estética da obra de arte plena, compreende toda a exaltação da vida e das suas manifestações instintivas, ébrias de instinto e emoção, incluindo-as na tendência colectiva de regresso pleno às origens vitais do homem, a tudo aquilo que nos torna tão próximos do homem primitivo, apesar de tão distantes, tão parecidos apesar de tão diferentes.
As primeiras representações cénicas da tragédia são datadas de cerca de 530 a.C. e foram realizadas ao ar livre nos palcos dos anfiteatros. Nas obras dos mais célebres autores gregos da tragédia, Ésquilo, Sófocles ou da comédia, Aristótanes, estão patentes as ligações religiosas com o culto a Diónysus, pelo que a gravidade expressiva, exaltada e sublimada do coro trágico constituiu um factor estético predominante, juntamente com a cena dramática única, concretizada nos diálogos em que os actores, mascarados, recitam alternadamente em verso e em prosa sibilina, revelando as densas questões religiosas, heróicas e lendárias, mitológicas, ou as cívicas e morais, que figuram como características essenciais, peculiares do género. O drama grego caiu em decadência, em pleno período helénico, e caiu mesmo em desuso no período romano, sendo apenas recuperado, episodicamente, nas obras de Séneca, o filósofo estóico, numa variante filosófica e erudita do género, com alto sentido ético, de exemplo edificante.